revista fevereiro - "política, teoria, cultura"

   POLÍTICATEORIACULTURA                                                                                                     ISSN 2236-2037

 

lula, o pt e os dissidentes cubanos

 

Há vários aspectos da nova política externa brasileira que merecem nosso apoio: sua maior independência em relação aos Estados Unidos, sua militância pela causa ecológica e pela diminuição das desigualdades entre países ricos e pobres, sua preocupação com o reforço das relações Sul-Sul e assim por diante.


Contudo, esses avanços vêm sendo obscurecidos pela postura muito omissa ( para dizer o mínimo ) do Brasil para com aliados notoriamente violentos com seus próprios cidadãos, reprimindo-os por nenhum outro motivo senão a militância discordante das políticas oficiais. Alguns desses governos se dizem de esquerda, outros são mais ou menos indiferentes a tais divisas, mas igualmente violentos.


A visita de Lula a Cuba coincidiu com a morte do preso político Orlando Zapata Tamayo, 42 anos, que fazia uma greve de fome em favor de mudanças democráticas no país. Embora os dissidentes tenham tentado obter de Lula uma manifestação de simpatia, este se recusou a fazer qualquer declaração favorável a eles e, pelo contrário, tratou de criticar as greves de fome. Pior do que isto, posteriormente entrevistado pela Associated Press a propósito de um segundo dissidente que já ultrapassara quinze dias de greve de fome, Lula disse que é preciso “respeitar a determinação da Justiça e do governo cubanos de deter as pessoas em função da legislação de Cuba“. Quanto à greve de fome, declarou que ela não deve servir de “pretexto de direitos humanos para liberar as pessoas“. E acrescentou com rara felicidade: “Imagine se todos os bandidos presos em São Paulo entrarem em greve de fome e pedirem liberdade“. Assim, Lula põe os dissidentes cubanos em paralelo com os “bandidos“. Quanto às condições políticas da ilha, ele não diz nada: refugia-se no formalismo da “legislação de Cuba“.


Esta não é a primeira vez que Lula manifesta apoio a tiranos e a populistas de “esquerda“. A legitimação que ele deu à farsa eleitoral iraniana do governo sangrento de Ahmadinejad (convidado depois a visitar o Brasil), foi um bom exemplo disto. Quanto a Cuba, não cessou de fazer o elogio da ditadura castrista.


É difícil imaginar que toda a esquerda brasileira - parte dela tão loquaz quando se trata de criticar a política econômica - esteja de acordo com a política externa de Lula. Mas a faixa lúcida em geral hesita em se manifestar. Seria pelo fato de que a direita ataca Fidel Castro? Ora, já chegou a hora de entender que os inimigos dos nossos inimigos não são necessariamente nossos amigos. (Frequentemente, são tão inimigos quanto). Será que teremos de esperar ainda muitos anos para que a esquerda brasileira entenda que a política moderna não é dual, no sentido precisamente em que se poderia supor que a negação de um inimigo é o equivalente de um amigo... A violência e a exploração vêm de mais de um sistema, embora as suas várias encarnações políticas se excluam umas às outras. É preciso combater umas e outras, e mostrar que a escolha entre a peste e a fome não é obrigatória.


Mas voltando às lamentáveis declarações do governo brasileiro. Não foi só Lula que se pronunciou. Marco Aurélio Garcia, seu assessor para a política externa, disse aproximadamente que “violações dos direitos do homem existem por todo lado no mundo“. Isso seria razão para não protestar contra eles? E será que este fato serve para nivelar ditaduras e democracias? Só nos resta constatar com tristeza a decadência desse antigo homem de esquerda crítico, leitor de Lefort inclusive, que parece ter aderido à Realpolitik, cinismo incluso.


Desses imbróglios todos, salta à vista a inconsistência brasileira: se o governo leva mesmo a sério o ideal dos direitos humanos, e pretende aplicá-los com um mínimo de autoridade, não há como contornar seu caráter universal, no Brasil ou fora dele. Usá-los apenas para os amigos, ou só para aqueles que estiverem do lado “certo” das divisões políticas e ideológicas, não fará senão desmoralizar os oportunistas.































fevereiro #

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