revista fevereiro - "política, teoria, cultura"

   POLÍTICATEORIACULTURA                                                                                                     ISSN 2236-2037

Leonardo NUNES

a adoção de controle de capitais: alguns apontamentos teóricos

 

A globalização financeira, que é caracterizada principalmente pela liberalização da conta capital e financeira nos últimos trinta anos, ampliou o grau de instabilidade nos mercados financeiros e, por consequência, agravou o problema da gestão da taxa de câmbio, sobretudo nos países periféricos. Os mecanismos de intervenção no mercado de câmbio podem atender a três objetivos principais: o controle da inflação, a manutenção da competitividade externa e a estabilidade do sistema financeiro.


Há inúmeras maneiras de empreender a gestão da taxa de câmbio, de forma a evitar oscilações indesejáveis. Neste breve artigo, trataremos de uma delas: o controle de capitais. Apresentaremos as principais correntes associadas ao tema, e advogaremos a necessidade de sua implantação, a partir dos argumentos pós-keynesianos.


O controle de capitais está associado a qualquer medida que vise restringir a livre mobilidade de capital entre o ambiente doméstico e o resto do mundo. Os controles de capitais podem ser classificados em pelo menos três formas distintas. Em primeiro lugar, dividem-se em controles seletivos, quando se referem a alguma modalidade específica de operação financeira com fluxos externos, e controles extensivos, que cobrem todas as operações financeiras. Em segundo lugar, podem ser classificados em controles de entrada, os quais visam evitar um fluxo de capitais excessivo em momentos de boom (que pode levar a uma apreciação real indesejável), e controles de saída, que têm como objetivo evitar saídas bruscas de capitais em momentos de interrupções súbitas (sudden stops). Por fim, pode-se dividi-los em controles administrativos ou diretos, o que significa a imposição de limites quantitativos ou proibição de algum tipo de transação, pelo estabelecimento de limites de maturidade, e controles indiretos ou baseados em preços, utilizando-se, por exemplo, requerimento de reservas não-remuneradas, o que torna as transações financeiras mais custosas (Oreiro et al., 2003).


Os argumentos favoráveis à livre movimentação de capitais, num plano teórico, baseiam-se na hipótese dos mercados eficientes, que, por sua vez, só é sustentável sob os pressupostos do equilíbrio competitivo, da convergência para este equilíbrio e sob expectativas racionais. No plano prático, argumenta-se que a livre mobilidade de capitais traria ganhos da mesma natureza da liberalização comercial. Além disso, esta liberdade traria uma alocação mais eficiente de capitais, que fluiriam dos países centrais, com menor produtividade, para os países periféricos, nos quais há possibilidade de altos retornos dada sua escassez. Por fim, os controles, além de serem indesejáveis, seriam ineficazes (Fischer, 1998; Edison et al., 2002).


Entretanto, o que se viu, ao longo dos anos 1990, foi uma sucessão de crises financeiras, que trouxe à tona o questionamento dos benefícios da liberalização da conta financeira. A partir disso, autores do mainstream passaram a centrar a argumentação nos benefícios indiretos da liberalização financeira, sustentando que países periféricos podem tirar benefícios da globalização financeira, apesar de reconhecerem que os estudos empíricos não são capazes de demonstrar os crescentes benefícios da liberalização da conta financeira. Para contornar este problema, argumenta-se que os principais efeitos propiciados pela liberalização da conta financeira seriam indiretos ou colaterais, e sentidos apenas no longo prazo, o que dificultaria sua captação através de regressões. Todavia, esta liberalização deveria ser precedida das seguintes medidas: desenvolvimento dos mercados financeiros; desenvolvimento das instituições; melhor governança e “disciplina” macroeconômica (Prasad et al., 2004; Kose et al., 2006).


Já alguns autores novo-keynesianos e os pós-keynesianos criticam os supostos benefícios da liberdade de capitais. No plano teórico, no caso dos primeiros, os argumentos enfatizam a imperfeição dos mercados financeiros, principalmente no que se refere à assimetria de informações (Stiglitz, 1998; Rodrik, 1998). No caso dos pós-keynesianos, enfatiza-se a incerteza fundamental relacionada às transações com ativos financeiros (Amado, 2006; Carvalho, 2006; Carvalho e Sicsú, 2006).


Os autores da corrente novo-keynesiana defendem formas de controle de capitais baseados nas falhas de mercados financeiros, e rejeitam a validade da hipótese dos mercados eficientes. Mercados incompletos e assimetria de informação comprometem a estabilidade e o equilíbrio competitivo do mercado financeiro, pois a diferença quanto ao nível de informações pode levar os agentes a decisões de alocação sub-ótimas. Neste caso, a livre operação de mercado não garante um equilíbrio ótimo de Pareto (Stiglitz, 2000). Além disso, a alta volatilidade dos fluxos de capital gera externalidades negativas. Por exemplo, uma brusca saída de capitais poderia desvalorizar a moeda, o que levaria muitas empresas endividadas no exterior à insolvência. Já uma entrada brusca de capitais poderia valorizar excessivamente o câmbio, comprometendo a competitividade do setor exportador (Stiglitz, 2000, p. 13).


O argumento mais contestável é o de que a abertura do mercado de capitais permitiria a diversificação e, portanto, estimularia a estabilidade. A liberalização do mercado de capitais está associada à instabilidade, pelo caráter pró-cíclico dos fluxos de capital, que exacerba as flutuações das variáveis macroeconômicas, ou até mesmo pode ser sua causa. Por sua vez, o argumento de que a abertura do mercado de capitais fornece fontes adicionais de financiamento é também questionável. Em primeiro lugar, fluxos de capitais de curto prazo não necessariamente fornecem uma base adequada para o investimento. Em segundo lugar, os controles de capitais não necessariamente desencorajam investimento direto estrangeiro, ou outras formas de investimento de longo prazo (Stiglitz, 2000, p. 8). Em terceiro lugar, a imposição de controles faz com que a autoridade monetária ganhe poder discricionário sobre a taxa de juros doméstica, pois a mesma pode manter um diferencial entre as taxas de juros interna e externa da moeda em questão, e pode desviar esse diferencial do seu equilíbrio de longo prazo, por um longo período de tempo (Edwards, 1998).


Desta forma, algumas conseqüências indesejáveis podem ocorrer: empréstimos excessivos em moeda estrangeira para projetos arriscados em decorrência da informação assimétrica e da seleção adversa; maior vulnerabilidade dos bancos, devido ao descasamento entre ativos de longo prazo e passivos de curto prazo, principalmente na ausência de um emprestador de última instância; o comportamento de manada de muitos agentes, o que exacerba a volatilidade e o efeito contágio (Rodrik, 1998, p. 4).


Ademais, os testes econométricos apontam que não há correlação entre liberalização da conta capital e desempenho econômico. Também é necessário salientar que não há evidências de que países sem controles de capital tenham crescido mais rapidamente, investido mais, ou tenham tido inflação mais baixa, em relação àqueles que os adotaram. Por fim, não há relação entre controle de capital e crescimento de longo prazo (Rodrik, 1998, p. 8).


Os autores pós-keynesianos, por sua vez, centram os argumentos a favor dos controles de capital a partir da incerteza inerente às transações financeiras. Para esta abordagem, uma economia monetária é caracterizada pela dependência de trajetória, que não necessariamente resulta numa convergência para um determinado equilíbrio. As decisões dos agentes são pautadas por suas expectativas, que têm um componente objetivo, mas também possuem um fator subjetivo associado ao estado de confiança e ao animal spirits destes agentes. Apesar dos mercados não produzirem uma eficiência a priori, esta pode ser alcançada através de regras e instituições que coordenem o comportamento e as expectativas dos agentes. Esta coordenação pode ser obtida pela imposição de controles de capitais (Carvalho e Sicsú, 2006, p. 15).


Ainda segundo esta corrente, o controle de capitais pode ser justificado, pois os movimentos de capitais de curto prazo podem resultar em três tipos de problemas para a gestão macroeconômica. Em primeiro lugar, devemos citar a perda de autonomia da política monetária, que se efetiva na dificuldade de atingir objetivos domésticos, tais como manter um elevado nível de emprego e renda, e controlar a inflação. Em segundo lugar, esses movimentos de curto prazo aumentam a fragilidade externa destes países, pois podem resultar em crises de balanço de pagamentos oriundas, por exemplo, de mudanças de “humor” dos mercados financeiros internacionais. Em terceiro lugar, pode-se ter uma apreciação indesejável da taxa de câmbio, que pode minar a competitividade externa do país (Oreiro, 2006, p. 30).


Além disso, no ambiente da globalização financeira, a atividade especulativa torna-se mais presente no processo econômico, e as moedas nacionais apresentam-se como ativos capazes de fornecer ganhos de arbitragem ou especulativo, que resultam numa maior instabilidade das principais variáveis macroeconômicas, o que também justifica a introdução de controles de capitais de forma sistemática e ativa (Amado, 2006, p. 99).


Por fim, a introdução de controles de capital pode ser útil na preservação da manutenção de níveis estáveis da taxa de câmbio. Conforme discutido no início do texto, esta estabilidade pode garantir, com maior probabilidade de sucesso, o controle da inflação, a competitividade externa ou a estabilidade do sistema financeiro.




Bibliografia



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