revista fevereiro - "política, teoria, cultura"

   POLÍTICATEORIACULTURA                                                                                                    ISSN 2236-2037



Daniela MOUNTIAN1

anotações sobre Panteleimón Románov

 


Oriundo de uma família nobre empobrecida, Panteleimón Románov nasceu em 1885 perto da cidade de Tula, na aldeia de Petróvski, onde seu pai possuía uma pequena propriedade. Escrevia desde a época do ginásio e começou a colaborar em revistas nos anos de 1910, como em Pensamento Russo, enquanto cursava a faculdade de direito em Moscou, que não chegou a concluir. Nessa década, não obteve muito êxito, mas não deixou de atrair alguma atenção de escritores como Korolenko e Górki. Románov nunca conseguiu fixar-se num ofício e morou em várias cidades; tinha, contudo, o hábito de escrever todos os dias, debruçando-se sobre vários trabalhos de uma vez. Por outro lado, não esteve relacionado com nenhum grupo artístico (dizia querer fazer uma "literatura própria").

Depois da Revolução de Outubro, Románov ganhou notoriedade, principalmente com seus pequenos contos humorísticos, diversos deles satíricos, que escreveu aos montes nos anos 20. Esses textos de costumes, de linguagem coloquial, tomados por muitos como o auge de sua criação, trazem pequenos causos do dia a dia, como as confusões com transporte, alimentação, moradia, burocracia, e vários deles se passam em pequenas províncias, cenário familiar ao escritor. Nesse rol de humor, destacam-se, por exemplo, "Contabilidade Italiana", aqui traduzido por MoisseiMountian, "O distintivo", "O cogumelo", "A batata" e "A porca branca".

Panteleimón também escreveu peças, como a comédia Terremoto (1924), que alcançou grande popularidade na época, e romances, como Infância (1903-20) e Rus (1923-36); este último ele considerava ser a obra de sua vida. Na epopeia Rus, em cinco volumes, o autor ambicionou criar um grande panorama da Rússia pré-revolucionária, e muitos acharam em suas personagens provincianas traços de Gontcharóv, Gógol e Saltykóv-Schedrin. A obra ficou inacabada (Románov trabalhou nela até seus últimos dias) e recebeu algumas críticas negativas pela forma episódica e pelo tom decadentista.

À medida que se tornava um dos escritores soviéticos mais populares dos anos 20, Panteleimón Románov passou a ser duramente atacado por sua "miopia" política, inclusive por Maiakóvski. Seu trabalho suscitou debates acalorados, em particular depois da publicação do pequeno conto "Sem cereja", em 1926, em que Románov criticou as novas formas de relacionamento que surgiam então (a ideia do "amor livre" e de uma nova moral sexual, como defendido, por exemplo, por Aleksandra Kollontai, escritora, política, ativista da causa das mulheres e das crianças e nome frequente da imprensa bolchevique). Além de "Sem cereja", o romance Camarada Kisliakóv, de 1930, gerou grande discussão sobre o partidarismo e as novas relações de poder. O escritor foi mais uma vez alvo de críticas severas, que o deixaram muito abalado nessa ocasião.

Na verdade, as leituras de seu trabalho se contradiziam. Alguns de seus contemporâneos o integraram às tradições de Gógol, Turguéniev e Tolstói, outros o elogiavam pelo caráter inaugural, e muitos o consideravam simplesmente vulgar. Já ele se declarava um "realista" nas pegadas de Tchékhov, partindo de acontecimentos insignificantes para tratar de grandes temas. Románov, pelos detalhes ínfimos da vida, almejava chegar aos maneirismos e às contradições do homem russo, ou à "alma humana", como ele dizia, sendo essa uma noção que trazia do século XIX.

Sua filiação à face "realista" da literatura russa oitocentista o afastou das experiências estéticas das vanguardas russas do começo do século XX, e, ao mesmo tempo, suas duras críticas às idiossincrasias da realidade soviética fizeram dele uma figura malquista pelos olhos oficiais (ficou estigmatizado como um "inimigo da classe"). Sua obra deixou de ser publicada depois de sua morte, em fins dos anos 30, reaparecendo na Rússia apenas na década de 1980. No entanto, apesar de muitos acharem que ele foi morto, Panteleimón faleceu em casa em 1938, depois de longo período doente.

Em vida, o grande embate com Panteleimón Románov se deveu às suas ideias no contexto da formação do mundo soviético. Mas, até hoje, ao que parece, não há um consenso de seu legado artístico. É normalmente lembrado pelos retratos cômicos e vívidos que criou, mostrando o choque de dois mundos pelo viés do cotidiano, ou pelo byt, palavra que em russo possui significados variados, podendo ser sinônimo da banalidade da vida prática, o que foi um mote de muitos pensadores e escritores.

































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1Daniela Mountian faz doutorado em Literatura e Cultura Russa no Departamento de Letras Orientais (USP). Também é editora da Revista e Editora Kalinka.