revista fevereiro - "política, teoria, cultura"

   POLÍTICATEORIACULTURA                                                                                                     ISSN 2236-2037



 

Nuno RAMOS

Um coelho chora

 

 

Sim, podemos conseguir isso. Uma ou duas vezes com certeza, mas como repetir sempre que quisermos? Têm as narinas tão vermelhas que nada no mundo fará seus olhos parecerem vermelhos. E suas orelhas, quando giram no próprio eixo, desviam obrigatoriamente nossos olhos para cima, de modo que não sabemos o que sentem. Nem eles sabem. Não querem saber o que aconteceu com eles, nem o que acontecerá conosco, nem com o planeta inteiro quando o sol esfriar. Querem escutar, é isso o que querem.

Só que não é de coelhos em geral que estamos falando agora, mas de um único coelho, que todos conhecemos. É ele que chora e seu choro pede descrição. Talvez não caíssem lágrimas dos seus olhos, mas da boca. Uma água grossa feito saliva, escorrendo pelo meio dos dois dentes enormes. Quando o peguei no colo não reagiu nem bateu as perninhas. Nada. É assim que um coelho chora. Entregando-se. Deixando-se ficar, como se não ligasse para o que vem depois.

E uma vez que você sabe disso, bem, então fica fácil fazer um coelho chorar. Basta sussurrar na orelha dele: aranha ou montanha ou pedaço de sebo. Há muitas palavras que fazem um coelho desanimar. Aí você põe ele no colo e ele fica bem quietinho. Então você pode ter certeza que um coelho chorou.

Foi assim que aconteceu comigo. Mas ainda não expliquei porque um coelho chora.

 

Chris Moraes

   

 









fevereiro #

6