revista fevereiro - "política, teoria, cultura"

   POLÍTICATEORIACULTURA                                                                                                    ISSN 2236-2037



 

Yara de Cássia ALVES

Etnografia a partir e a favor das desestabilizações: As teorias dos moradores de Pinheiro- MG sobre astransformações contínuas da vida e do mundo

 


 

  1. 1. Apresentação

A vida é assim, a gente não tem certeza de um fiapo de nada.
A vida nunca está do mesmo jeito.

Essas frases foram proferidas inúmeras vezes por muitos de meus amigos quilombolas de Pinheiro, localidade rural do município de Minas Novas, Vale do Jequitinhonha – MG. Ao longo de minhas estadias em Pinheiro,1 percebia que muito pouco do cotidiano era entendido como certo ou como estável. Pelo contrário, havia uma enorme ênfase nas mudanças, no instável e nos movimentos. Sem certeza de nada, as pessoas iam levando suas vidas, muitas vezes com decisões da noite para o dia. Essas decisõespodiam gerar pequenas alterações no cotidiano (como plantar ou não determinada cultura, ir até a cidade ou ficar em casa, ir a cavalo ou a pé em determinado local), até modificações em toda dinâmica familiar, como as saídas para trabalhar,que são deslocamentos temporários para atividades de trabalho em outras regiões do país.Em meio a tantos movimentos, o que entendiam como certo é que a vida nunca está do mesmo jeito.
Para mim, essa situação às vezes parecia impossibilitar um trabalho de campo mais coeso, pois, em muitos casos, sentia-me também em uma situação instável. Muitas mudanças aconteciam de fato, não apenas entre os intervalos de uma estadia e outra, mas também semanal ou quinzenalmente, quando estava em Pinheiro. Previa encontrar as pessoas com quem mantinha um contato mais frequente e percebia que suas vidas tinham se alterado significativamente – algumas saíam para trabalhar,2outras regressavam, umas se casavam e outras se descasavam com a mesma rapidez com que reestabeleciam o casamento, umas decidiam construir casas na área urbana, enquanto havia aquelas que reformavam a casa que ficou anos fechada na localidade. Minha angústia de jovem etnógrafa estendeu-se por parte considerável do mestrado. Conseguiria criar uma coerência a partir de vidas tão entrecortadas? Teria condições de observar ou induzir certas recorrências sociais em meio a tantos movimentos e transformações? Como poderia responder a minha questão de pesquisa?
Contudo, se eu entendia que essa dinâmica constante poderia trazer problemas para minha pesquisa, os meus interlocutores não enxergavam a vida de outra maneira. Ao longo do trabalho de campo, fui observando que existiam dois processos distintos e complementares que permitem essas instabilidades e transformações constantes.Para eles, o mundo gira, gera e mexe, está tudo mexendo,movimento que acontece à revelia das pessoas, mas não é desprendido de possibilidades múltiplas de conhecimentos e aprendizados, já que a vida nunca está do mesmo jeito, porque a vida é vivendo e aprendendo.As mudanças e instabilidades se relacionam diretamente com os giros e mexidas do mundo, mas também fazem parte de uma perspectiva de engajamento, na qual o ser humano não passa toda a sua existência da mesma maneira. Ele se engaja perante o desconhecido, o mundo, e os aprendizados e a possibilidade de aprender permitem que as pessoas o encarem,ganhando sabedoria. Entre desconhecimentos e conhecimentos, incertezas não surgem apenas das possibilidades inimagináveis que o mundo pode gerar,mas também da possibilidade de aprender uma série de coisas, que transformam as pessoas e, consequentemente, suas vidas.
É sobre esses dois processos complementares que trata esse artigo, que tenta compreender como os moradores de Pinheiro se transformam conjuntamente com as mudanças e giros do mundo e da vida. Explorarei aqui como essas vidas são construídas a partir de transformações contínuas, entendendo que essa dinâmica não é apenas externa, advinda das ações do mundo, mas também interna, proveniente das mudanças que os aprendizados e engajamentos podem gerar.
Como desdobramento desse material, ao longo do texto, desejo explorar como uma teoria etnográfica pode desestabilizar o antropólogo e as categorizações utilizadas para classificar as populações com as quais trabalha. Sendo assim, tomo como premissa que essas pessoas também teorizam sobre suas vidas e criam realidades que nem sempre condizem com os rótulos e estereótipos de determinadas classificações sociais, jurídicas ou antropológicas. Assim, todos esses movimentos e transformações contínuos fabricam processos sociais bem mais complexos do que a simples pertença a determinadas classificações gerais, como migrante, nativo do Vale do Jequitinhonha ou quilombola.Cabe ao etnógrafo o exercício de torção, de uma escrita que possibilite mostrar sentidos subsumidos nessas grandes categorizações ou formas outras de lidar com processos sociais, políticos, econômicos e culturais.

     

    2. O mundo não para: Desconhecimentos provenientes do mundo

Era uma tarde quente de janeiro, Sr. Estevão chegou até uma casa em que estava e parou ali, no rebuço,3 para se refrescar e conversar um pouco. Ele tinha passado mais de trinta anos trabalhando em cidades distintas do interior de São Paulo e do sul de Minas e desde então não tinha retornado àquela casa. Esse distanciamento não era devido às suas saídas, pois seus retornos eram regulares, e sim a um namoro desastroso com uma das filhas dos donos daquela casa. O fato de ele parar ali e se dispor a conversar com aquela família era mais do que uma possibilidade de descansar da caminhada. O retorno de agorarelacionava-se ainda com o casamento recente de seu sobrinho com a filha mais nova do casal, o que criou uma possibilidade de reaproximação e um aparentamento. Sentado ali, ele conheceu a filha de seu sobrinho, que lhe foi apresentada já com o respeito e a etiqueta que o encontro com um tio requer. O pedido de benção da mãe para a criança, que ainda não falava, foi respondido e o colo do tio foi rapidamente ocupado pelo bebê, ali colocado. Recebido com as devidas honras, ele se sentiu à vontade para refletir sobre aquele encontro e também sobre aquela casa, que dizia ter mudado bastante. Ele olhava para a casa e para a criança e repetia: O mundo gira, gera e mexe, está tudo mexendo. Ele não era mais o mesmo de sua juventude, reconhecia o desastre do namoro que gerou o seu afastamento daquela casa e reconhecia ainda, que o mundo girou ao ponto de fazer seu sobrinho se casar naquela família, tal como ele planejou um dia.
Foi diante dessa situação que comecei a entender o que os movimentos do mundo significavam e como essas transformações faziam parte não apenas de uma retórica, mas da condição essencial da vida e do tempo dessas pessoas. Essa instabilidade, os giros e mexidas eram existenciais e ao longo dos anos propiciam reflexões elaboradas sobre os processos individuais, familiares e comunitários.
Ao longo da pesquisa, percebia que eu estava acostumada a ouvir mundo e mundão com tanta recorrência e para situações tão distintas,  que era preciso destrinchar os usos da palavra, compreender sua plasticidade semântica. Foi assim que me atentei para expressões como minhabarrigatáummundão. Quando passei a perguntar o motivo dabarriga se tornar um mundão, ouvi que isso ocorria quandose tratava de um troço que a gente não sabe de onde vem, um mal desconhecido, uma coisa do mundo. Aí incha e fica assim, um mundão. Um trem que parece não ter início e nem fim. Essas explicações, ao invés de me dar uma resposta, mais me intrigavam. Como uma coisa domundo poderiaestar dentro do corpo? Que força é essa da qual não se sabe a procedência, mas ora pode estar lá pra fora, ora pode estar intimamente dentro do próprio corpo?
Os usos e variações da palavra mundo traziam questões de difícil equacionamento. O mundo alude ao desconhecido, vasto, ilimitado, ele age cotidianamente na vida das pessoas, mesmo quando elas não o procuram. Em muitas situações, ouvi que o mundo é um mundão, um trem tremendo, coisa de doido, e me indicaram que bastava olhar para as chapadas, cuja vista panorâmica demonstra que para além dos limites do município, as serras do cerrado mineiro parecem não ter início e nem fim. Cercados por essa vista, que não limita, mas abre o olhar, essas pessoas crescem sendo ensinados que aquele é o lugar da gente, mas existe uma infinidade de lugares e coisas desconhecidas lá para fora.O mundo existe e está sempre em movimento, podendo chegar a interagir intimamente com o corpo, como o inchaço4 no abdômen.
Assim, omundo desestabiliza os esforços de definição de limites, todas divisões entre dentro e fora, entre partes e todos. Ele não está apenas lá pra fora, mas pode entrar nas casas e nos corpos a qualquer momento, criando um contexto que modifica a rotina de uma pessoa e dos seus próximos; afinal a vida nunca está do mesmo jeito, o mundo não para. Esse era um dos principais desafios que a teoria sobre o mundo e a vida dos moradores de Pinheiro me colocava, uma vez que não podia tratar Pinheiro apenas como um território delimitado, cujas coordenadas diziam até onde iria o limite da localidade, estabelecendo fronteiras entre dentro e fora. O mundo compunha com o interior de Pinheiro e até mesmo com o interior dos corpos de seus moradores. Era preciso entender como se dava essa composição, como essas pessoas seguiam suas vidas sabendo que o desconhecido existe e não para de girar, mexer, gerar.

3.Conhecendo o desconhecido: Aprender para ganhar sabedoria

Em Pinheiro, compor com o mundo não é algo impensável ou impossível, é condição esperada para todo ser humano. As pessoas não são simples receptoras desses movimentos, elas também estão agindo e modificando suas realidades. Isso se tornava muito claro quando conversava com as mães de Pinheiro. Elas me explicavam que os filhos não são totalmente delas, os filhos são do mundo, a gente cria menino não é para a gente, é para ele. Isso faz com que grande parte dos ensinamentos destinados a uma criança seja para aprender a lidar com o mundo, algo fundamental para que uma pessoa cresça com equilíbrio.Cabe à pessoa ouvir e se atentar aos ensinamentos domésticos, fundamentais para os encontros com o mundo e com tudo que ele pode gerar.Assim, o mundo é invocado inúmeras vezes ao dia, como uma ameaça aos que não dão a devida atenção aos ensinamentos, pois, para eles, se não aprende em casa, aprende com o mundo. O mundo ensina, com mais dor, mas ensina.5
Mas, como o mundo ensina? Nos inúmeros relatos sobre as saídas para trabalhar, das temporadas para fora que parte dos moradores vivenciam anualmente, é comum ouvirmos que andar é bom, é andando que se ganha sabedoria, pois diante do desconhecido entabulam-se novas possibilidades de relação e de conhecimento. E nessas andanças as pessoas têm a possibilidade de ver como o lugar da gente se diferencia de outros lugares, como a raça dos mineiros de pé rachado fornece características superiores diante outras raças, como a raça dos paulistas, a raça dos baianos, a raça dos pernambucanos,dentre outras. É somente no encontro com o desconhecido que o lugar da gente é valorizado de fato, experiência que concebe um novo olhar à pessoa, que se torna mais sábia a partir do encontro com diferentes.
Apesar de parecer simples a relação entre o mundo e as possibilidades de ganhar sabedoria,não foi imediatamente que percebi que era uma relação que se desdobrava de um princípio mais geral de vida, no qual, a vida nunca está do mesmo jeito, a vida é vivendo e aprendendo, é preciso aprender.Somente a partir da disposição em aprender, em adquirir certas habilidades e conseguir conhecer coisas que eram desconhecidas que uma pessoa se torna capaz de saber viver e conviver e lidar com o mundo.
E esse é um princípio regente das relações. Uma pessoa desconhecida que se mostra capaz de se deixar conhecer e de aprender sobre as pessoas, suas famílias e comunidades pode se tornar alguém confiável, um amigo, um parceiro institucional nas lutas políticas, um candidato a ser votado, dentre outros. Eu mesma passei por essa avaliação, pois o mundo me levou até eles e eu tive capacidade e interesse de aprender sobre o lugar da gente.Essa condição permitiu que as relações em campo se estabelecessem gradualmente mais íntimas e calorosas, apesar de eles saberem que não sou de lá, que não sou uma igual. O que vem do mundo pode ser convertido em algo conhecido, apesar de, na maioria das vezes, continuar sendo um diferente, um outro, mas que faz parte de uma rede de relações, alguém que se envolveu e deixou ser envolvido em uma troca de aprendizados mútuos.É nesse sentido que os movimentos do mundo e as incertezas por si só não explicam essa ênfase no instável. Além de toda ação desestabilizadora do mundo, o que também garante que a vida nunca está do mesmo jeito e que não dá para ter certeza de um fiapo de nada é a disposição em aprender e se transformar, vendo a vida de outra maneira após experiências e práticas de aprendizado.
Recentemente, em conversa com uma moradora de uma localidade vizinha a Pinheiro, ouvi um relato interessante sobre a possibilidade de aprender a lidar com o desconhecido e, mais do que isso, a questionar politicamente uma posição que lhe é imposta por outrem. Gostaria de me deter aqui nesse caso, pois ele é um típico exemplo etnográfico que transborda não apenas o que é vivido na realidade em questão, mas emerge visões e comportamentos construídos sobre essas pessoas, categorizadas como “migrantes”, “pobres” “de uma área economicamente estagnada”, classificações diretamente ligadas ao Vale do Jequitinhonha. Além disso, o caso dessa mulher também ilustra essas transformações contínuas da vida, as incertezas de uma vida que nunca está do mesmo jeito porque o mundo gira, mas também porque ela se dispõe a aprender sobre coisas desconhecidas.
Trata-se de uma conversa que tive com Filomena, que me contou detalhadamente sobre uma das filmagens que a televisão aberta realizou na região, na década de 1990. Ela reforçava, constrangida, que fez algo que hoje jamais faria, cedeu ao pedido dos profissionais televisivos para que criassem um cenário ideal para as filmagens. Ela foi incentivada a vestir uma roupa bem velha, que não usava nem para os trabalhos na roça, retirar as roupas das crianças – que ficaram apenas com shorts também desgastados – e seguir um roteiro, ensaiado algumas vezes. Ela e as crianças deveriam andar com baldes e potes em volta de um poção de água que se formou com as chuvas, fingindo que utilizavam aquele reservatório para consumo doméstico. Além de falar da grande escassez de água, ela também deveria contar como era difícil viver sozinha com as crianças enquanto seu marido cortava cana, no interior de São Paulo.
A reportagem, que jamais foi assistida pela família, pois Lula colocou luz6 na região a partir de 2003, tinha como objetivo mostrar a realidade de seca e da intensa migração masculina entre os moradores do Vale do Jequitinhonha. Fazia parte de uma série de outras reportagens, televisivas e jornalísticas, sobre regiões do Brasil que viviam com baixos índices de desenvolvimento e que tinham a migração sazonal como possibilidade para sobrevivência.
Filomena, que já naquela época utilizava de um poço artesiano que fornecia água potável, não conseguiu dizer que não faria a filmagem porque tinha medo que algum recurso destinado a eles fosse desviado para outros lugares do país. Se sentiu acuada por gente estudada, gente muito branca, gente que tinha muitas câmeras e fez as filmagens pensando que poderia criar uma sensibilização do governo, que pouco investia na região.
O que gostaria de destacar aqui é a ênfase que dá, em sua narrativa, nos giros da vida que a fazem afirmar que se isso acontece agora, em 2017, ela não repetiria essa ação.A vida nunca está do mesmo jeito e se fosse hoje, ela já tinha ganhado sabedoria de que não podem se fazer de vítimas, que devem divulgar suas lutas, mas não podem alimentar essa visão de um Vale da Miséria.
Muito foi escrito até aqui sobre a posição do Vale do Jequitinhonha como “Vale da Pobreza” e “Vale da Miséria”. As imagens criadas sobre a região pela mídia e por agências do governo estadual e federal vinculam a fome, a seca e a migração como os principais símbolos locais, imagens nem sempre contestadas por trabalhos acadêmicos.7 A crítica sociológica e antropológica sobre esse estereótipo se iniciou há algumas décadas e atravessa os trabalhos compromissados com os discursos locais, como em Moura (1988), Silva (1999), Ribeiro (1993) Porto (2007). Contudo, o alcance desses trabalhos ainda é reduzido quando contrastado com o alcance desses outros mecanismos de difusão, como jornais de grande porte e a televisão aberta.
Nas páginas de jornal, nos programas de televisão ou nos artigos e teses que defendem a região como uma “chaga da miséria”, não há espaço para os giros e mexidas do mundo,não há nenhuma possibilidade dessas vidas serem retratadas a partir de suas andanças e da sabedoria que ganham em suas saídas. São “migrantes genéricos”, como já alertavam Palmeira e Almeida (1977) desde a década de 1970, quando os estudos de migração já submetiam todas essas dinâmicas locais a categorias englobantes e desqualificadoras, baseadas em um baixo grau de escolaridade e de qualificação profissional.
A criação do “Vale da Miséria” ou “Vale da Pobreza” foi uma criação político-estatal, como bem demonstra Ribeiro (1993).A criação, na década de 1950, de uma agência de desenvolvimento com finalidades próximas às da Sudene e exclusiva para o Jequitinhonha, a Codevale (Comissão de Desenvolvimento do Vale do Jequitinhonha), foi o passo inicial para a criação de um sentido instrumentalizado de região, delimitada geograficamente a partir da bacia do Rio Jequitinhonha. Se até então não existia o Vale do Jequitinhonha como região geográfica, também não existia uma identificação com a pobreza e a miséria. 
Concomitantemente, outros processos se desenharam na região, principalmente após a instalação do regime militar, quando o governo federal estimulou a modernização capitalista da região, baseada em políticas de incentivo a grandes empresas do ramo pecuário e de extração vegetal. Assim, como demonstram vários autores (Moura 1988; Amaral 1988; Silva 1999), toda a região do Norte e Nordeste mineiro teve parte de suas terras, geralmente as chapadas, consideradas como “devolutas”, destinadas à plantação de eucalipto ou à criação de gado.
Desde então, as saídas para trabalhar se tornaram mais intensas na região, mesmo para os grupos que não tiveram parte de seus territórios considerados devolutos, como Pinheiro. Indiretamente, foram atingidos pela outra face desse processo, que diz respeito ao estímulo para migrações sazonais, em direção a outras regiões do Brasil, principalmente para o interior paulista.8 E, ao longo dos anos, essa imagem foi sendo elaborada nacionalmente, com uma série de instrumentos, como bem ilustra o caso de Filomena.
Sendo assim, eu iniciei a pesquisa de mestrado com o compromisso político de não replicar esse estereótipo. Eu sabia que eles se deslocavam intensamente, mas não queria apenas categorizá-los como “migrantes”, como exposto em outro espaço (Alves, 2014). Todavia, apenas esse desejo não resolvia meu problema. Dado que o objetivo principal era compreender como as dinâmicas familiares eram desenhadas diante desses movimentos, era preciso que eu entendesse porque essas saídas para trabalhar eram importantes, não apenas do ponto de vista econômico, mas principalmente relacional, uma vez que elas compõem grande parte das conversas e das decisões pessoais e familiares.
A história de Filomena, que foi personagem central do quadro televisivo, me parece exemplar de uma série de fatores que se relacionam com esse estereótipo local, não apenas pela performance forjada, mas pelos elementos que a conversa com ela suscitava. Como já disse, ela insistia em dizer que se fosse hoje, ela não faria a mesma coisa, comportaria-se de outra maneira. Como a vida nunca está do mesmo jeito,hoje ela também mudou e se transformou principalmente porque ganhou mais sabedoria. Ao longo desses anos, cerca de 20, ela se engajou em andanças variadas, o mundo fez determinados giros em sua vida, que a fez adquirir experiências inimagináveis.
Nessa longa conversa, ela me disse que naquela época, ela nunca tinha saído dali. Ela tinha vivido sua infância no terreno dos pais e se mudou para o terreno do marido após o casamento. Circulava bastante, como todas as outras pessoas da região, entre casas de parentes, de vizinhos, na zona urbana e em cidades próximas, principalmente para casos de saúde e para festas religiosas. Contudo, nunca tinha vivido fora dali. Foi quando os filhos estavam crescidinhos, que resolveu sair para o café, nas colheitas das cidades do sul de Minas. Deixou as crianças com a sogra e ficou cerca de três meses fora, tempo suficiente para abrir seu horizonte sobre outras formas de vida. Ela disse que aprendeu muito, ganhou muita sabedoria.Desde a primeira vez que saiu para o café,sucederam muitas outras saídas, sempre nesses intervalos de três meses de colheita.
A experiência dela não é única. A forma como essas pessoas encaram as saídas para trabalhar mobiliza um repertório de conhecimento que só a prática pode gerar. É andando que a gente ganha sabedoria,dizem os moradores da região. Esse princípio básico precisa ser aprendido desde a mais tenra infância, quando as crianças são estimuladas a andarem pela localidade, aprendendo a localização das casas, dos lugares e até mesmo das árvores e elementos topográficos que referenciam o interior de Pinheiro. Mesmo no lugar da gente é preciso aprender sobre o que não é conhecido, aprendizados que devem ser rememorados nas visitas regulares que fazem, quando têm orgulho de demonstrar que não se esqueceram dos caminhos, trilhas, carreiros, restos de casa, nomes dos lugares e de outros marcos referenciais.
No caso de Filomena, as saídas para trabalhar conferiram a ela maior contato com gente de fora, gente estudada, gente branca,mas, ainda assim, só isso não seria suficiente para que assumisse uma postura diferente caso a equipe televisiva reaparecesse em sua casa. O que fez com que ela mudasse sua postura política diante da construção de estereótipos sobre o Vale do Jequitinhonha foi um outro tipo de andança, as andanças com a associação.O aprendizado político permitiu que transformasse sua prática a partir do conhecimento de processos históricos e coletivos, processos de uma macro escala, que interferem em sua vida. Para compreendermos um pouco mais essa outra forma de se engajar no mundo e ganhar sabedoria, passemos a nos deter no processo de reconhecimento quilombola e, principalmente, as caminhadas da associação.

    4. Caminhadas paralelas: O processo de reconhecimento e as andanças com a associação

Desde 1996, os moradores de Pinheiro, Macuco, Gravatá e Mata Dois se uniram para criar uma associação local que permitissem correr atrás de recursos e projetos voltados a agricultura familiar e às tecnologias de combate à seca. A decisão de unir as quatro comunidades veio de um princípio que rege outras lógicas políticas locais, a união faz a força. Segundo os fundadores da associação, eles são economicamente fracos e somente a união pode gerar a força, que buscam por meio de parcerias e projetos políticos.
Grande parte desses princípios e também da experiência militante das lideranças locais surgiramcom as Comunidades Eclesiais de Base (CEB’s) que foram muito atuantes na região a partirdo fim da década de 1970. As CEB’s estabeleceram uma gestão de atividades e cargos dentro de cada comunidade, com uma diretoria local que era responsável pela gestão das atividades internas e externas, de forma a defender um senso comunitário, uma delimitação política de reconhecimento como pertencente a uma determinada localidade e não a outra. Assim, é com as CEB’s que os moradores passaram a desenhar um sentido de comunidade, no qual o objetivo religioso não se desprendia de uma concepção política, sentido esse que é um dos mais potentes em termos de produção de diferenças entre localidades vizinhas.
Dessa forma, o final dos anos 1970 e os anos 1980 foram marcados pela importância de uma série de atividades das CEB’s, lembradas como o tempo da comunidade. Essas atividades, vinculadas também a centrais sindicais e na busca por direitos básicos acabaram por formar uma série de lideranças locais engajadas e politicamente de esquerda.
Essas lideranças são fundamentais para a criação e manutenção de suas associações locais, que cresceram consideravelmente nos anos 1990. Atualmente, há 122 comunidades rurais e mais de 100 associações comunitárias no município de Minas Novas, número tão expressivo que impulsionou a criação da Micro-Confederação das Associações Comunitárias de Minas Novas, a Confrascom. Assim, o cenário político local é aquecido por uma série de espaços de luta, muitas vezes em parceira com o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Minas Novas, que participa de movimentos regionais e nacionais.
Foi por essa inserção política que, desde 2003, os moradores de Macuco, Gravatá, Pinheiro e Mata Dois se informaram sobre o movimento quilombola, principalmente com a ajuda do Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva (CEDEFES), uma ONGcom sede em Belo Horizonte que foi até a região por meio do Projeto Quilombos Gerais. Esse projeto tinha como objetivo difundir o que era ser quilombola, palavra9 que era estranha a muitos quilombolas, que sabiam o que seus históricos e seus modos de vida significavam, mas não reconheciam essa categoria externa, utilizada nas burocracias jurídicas e nos espaços acadêmicos. Ao ouvir as palestras, os moradores resolveram iniciar o processo institucional de reconhecimento junto a Fundação Cultural Palmares, criando uma ata na qual se reconheciam e acresciam ao nome da associação o termo “quilombola” – Associação Quilombola dos Produtores Rurais e Moradores de Macuco, Pinheiro, Mata Dois e Gravatá, mantendo a mesma sigla (Aprompig). Em 2005, receberam o certificado de reconhecimento pela Fundação, considerado um marco na caminhada da Aprompig.
Esse processo de reconhecimento é entendido como mais uma das possibilidades de aprender, de ganhar sabedoria. Nesse caso, um conhecimento sobre o próprio coletivo, organizado em uma luta política das quatro comunidades. A Aprompig, que nasce engatinhando e, em sua primeira década, chega próxima da extinção por inúmeras vezes, começa a caminhar com sua inserção no movimento quilombola. É a partir daí que ela consegue uma sede, localizada na localidade de Macuco e começa a agregar um número de famílias bem mais expressivo que anteriormente. Vendo a possibilidade de caminhar com a associação, correndo atrás dos projetos, esses moradores vivenciam transformações até então imprevistas, como a chegada de caixas de captação de água de chuva, barraginhas10 e inúmeros cursos sobre agricultura, artesanato e formação profissional.
Apesar das lideranças já serem engajadas em movimentos comunitários desde o início das CEB’s, foi com o reconhecimento quilombola, em 2005, que eles conseguiram um lugar de fala realmente destacado, não só no município, mas nos outros lugares que passaram a circular. A inserção no movimento quilombola foi mais uma forma de abrir possibilidades de circulação, uma outra maneira de engajamento com o mundo, mais uma janela que se abre para uma vastidão de possibilidades, de parcerias e de projetos. Para os moradores da região, a APROMPIG permitiu que mais pessoas do mundo chegassem até lá e que novas sabedorias fossem adquiridas, seja nas instâncias burocráticas que caminham, seja com os membros de ONG’se instituições parceiras, com agentes do governo ou com outros companheiros de luta (outros quilombolas, indígenas, caiçaras etc).
Essa dimensão política das andanças, que discuti em outra ocasião (Mourthe& Alves, 2015), permite uma abordagem que extrapola limites geográficos e abre possibilidades de troca e relação com escalas mais amplas, algo que nem sempre é explorado na literatura sobre quilombolas. No centro dessa literatura, encontra-se esse debate territorial,  dado o volume de pesquisas sobre situações fundiárias conflituosas, na qual o estabelecimento de uma fronteira geográfica é uma luta reivindicatória que estabelece, em muitos casos, a possibilidade ou não da continuidade de formas e modos de vida. Assim, muito tem sido produzido sobre esses limites, em uma produção fundamentada nos debates sobre o clássico texto de Barth (1998) “Grupos étnicos e suas fronteiras”. A importância inegável desses trabalhos, muitas vezes subsidiários de laudos responsáveis pelos Relatórios Técnicos de Identificação e Demarcação (RTID’s) acabou por criar um campo subdisciplinar, em que território e identidade foram eleitos como categorias de destaque no estudo sobre quilombolas. No caso das comunidades pesquisadas, a ausência atual de conflitos fundiários os coloca em uma situação distinta de outros grupos.Eles não solicitaram e até o momento não desejam solicitar a titulação de suas terras junto ao INCRA. Creio que essa posição me forneceu possibilidades de refletir sobre os limites, escalas e sobre o próprio território a partir de outro ângulo, menos circunscrito e mais fluido.
A escolha por manter a terra no bolo, o regime de gestão familiar do territóriono qual os terrenos são esquadrinhados por decisões familiares de posse e herança, é uma forma de não desejarem que o governo mande na vida da gente. Mesmo informados sobre as possibilidades de titulação que envolvem uma reflexão sobre essas formas já existentes, eles se incomodam com a ideia de terem seus terrenos mapeados pelo Estado, que quer saber e mandar em tudo da vida da gente. Atualmente, o principal objetivo da Aprompig é seu envolvimento em projetos com parceiros de instâncias estatais e não estatais, principalmente aqueles ligados à geração de renda e tecnologias de melhoramento do solo e dos impactos da seca. Dessa maneira, valorizam muito os encontros com esses parceiros, mas também as viagens e cursos que fazem nas caminhadas com a associação.
Sendo assim, a etnografia também me levou a explorar casos como os de Filomena, que depois de caminhar com a associação aprendeu a se posicionar politicamente contra tendências de vitimização que lhes são impostas. Mais do que buscar os limites territoriais de Pinheiro ou sua identificação quilombola, tive que me deter no que realmente significou a inserção no movimento para essas pessoas, que ganham sabedoriacaminhando com a associação, em mais uma das possibilidades de se transformar, aprendendo e se engajando em novas experiências.

5.Alguns apontamentos gerais

Para tratar das transformações contínuas do mundo e da vida dos moradores de Pinheiro, percorri três variações do verbo conhecer. Tentei demonstrar que eles se transformam por conta dos giros do mundo, que é da ordem do desconhecido, mas também se dispõem a conhecer sobre o que não sabem, poisa vida é vivendo e aprendendo.Como desdobramento dessa disposição em aprender e se engajar diante de coisas novas, eles também se reconhecem como quilombolas, em um processo político que lhes permite circular em instâncias, lugares e eventos que até então não circulavam. Casos como o de Filomena demonstram que é na conjunção entre essas três variações do verbo conhecer (desconhecimento, conhecimento e reconhecimento), que eles se transformam, desde as experiências triviais até as lutas políticas, que envolvem um sentido coletivo e público.
A vida é vivendo e aprendendo, perspectiva que toma a transformação como mote da existência, em um regime que o conhecimento nunca é totalizante, mas sempre parcial. Não tem ninguém que nasceu sabendo e ninguém que morre sabendo de tudo quanto há. O que existe são tentativas de acúmulo, que fazem uns mais próximos de alguns saberes que os outros, que geram reconhecimento de muita sabedoria. Parte desses conhecimentos são mobilizados nas casas, que são chamadas casas raízes. São raízes pela analogia com o cerrado, cujas árvores perdem suas folhas em um determinado período do ano e as recebe de volta em outro. Para os moradores de Pinheiro, as casas também permanecem apenas com as raízes boa parte do ano, reunindo todos os seus membros nos finais de ano ou quando decidem voltar de muda. A casa raiz é um ponto de estabilização em meio a tantos movimentos, talvez o único diante de tantas incertezas (Alves, 2016). Mas, como vimos, é o contato com o mundo que traz certos tipos de sabedoria, uma sabedoria própria da alteridade, na qual o contato com o outro valoriza o lugar da gente, da casa raiz e ainda, das pautas políticas que são aprendidas caminhando com a associação.
Esses sentidos que conferem ao mundo e a vidanão estão explicitados nas classificações gerais que os identificam, como “migrantes”, “nativos do Jequitinhonha” ou “quilombolas”. Ao longo da pesquisa, aprendi que não poderia apenas classificá-los assim, precisava destrinchar como e se essas pertenças faziam sentido para eles. Assim, essas pessoas dizem que saem para trabalhar mas moram em Pinheiro, mesmo passando parte considerável do ano para fora (aproximadamente 10 meses ao ano). A diferença marcada entre morar e sair revela a forma como encaram esses deslocamentos, temporários e provisórios. A intensidade de morar não se relaciona com a quantidade do tempo de morada, diminuto em relação ao tempo de saída. A saídapode durar mais que o tempo de morada, mas ela sempreprevê um retorno, mesmo que não seja planejado e que possa ser adiado no tempo.
Mais do que uma solução econômica, essas saídas são importantes para suas biografias e para ganhar sabedoria. Essa busca de sabedoria, que também se replicava nas andanças com a associação,fazia-me entender que eles não eram apenas “migrantes” assim como são quilombolas, mas a titulação de suas terras não é a principal pauta de luta, como grande parte dos quilombos estudados. As transformações contínuas em suas vidas são encaradas de muitas formas e em níveis distintos, que se interconectam. A experiência política se replica em experiência pessoal e ambas são entendidas como aprendizados, os quais fazem as pessoas mudarem (seja de opinião, de atitude, ou simplesmente de bagagem de conhecimento).
Esses deslizamentos me fazem acreditar quenão se trata aqui de descrever um universo onde tudo seja extremamente móvel, mas de demonstrar que as rígidas divisões entre dentro e fora ou entre todos e partes não fazem tanto sentido quando para além de limites geográficos existem agentes ou forças que agem diretamente na vida das pessoas, como o mundo. E, mais do que isso, como algumas categorias de análise podem ser limitantes, desde que a etnografia seja colocada em segundo plano.Próximo do que Biondi (2014) encontrou em seu campo, parece-me difícil buscar uma compreensão a partir de partes e todos ou reduzir o que as pessoas com quem convivo dizem a meros conceitos derivados das teorias de conhecimento acadêmico/ocidental. As incertezas da vida os fazem olhar para o futuro e encarar que pouco podem prever dos processos pessoais e sociais que vivem, dado que o ponto de partida é a instabilidade, o movimento, a dinâmica, ação de muitos giros, mexidas e movimentos do mundo.
Essa ênfase na importância dos movimentos aparece também em outras etnografias. No campo dos quilombos, Santos (2014) mostra como os quilombolas de Pedro Cubas (SP) refletem sobre seus movimentos, inclusive caminhadas que realizam “com as almas”, em determinados rituais religiosos. Caminhar ali requer um engajamento com vivos e mortos, dentro de um território que é marcado pelas ocupações do passado e do presente.
Os quilombolas de Brejo dos Crioulos, pesquisados por Mourthé (2015) também se deslocam consideravelmente, principalmente entre agências burocráticas. A longa “luta” pela demarcação de suas terras os faz circular com papéis em instâncias diferentes da administração estatal, além de um movimento constante entre os seus advogados e “parceiros”, para que suas “lutas” não sejam esquecidas. Nesse contexto, ficar inerte ou deixar os papéis inertes pode ser a sentença da perda de seus direitos.
O movimento também aparece em etnografias de outras subáreas da antropologia, que auxiliam a pensar como outras populações encaram a instabilidade. Foi assim que o material Guarani passou a fazer sentido, por meio da cosmovisão de que os caminhos, os movimentos e as andanças são fundamentais para a construção da pessoa, como abordado por Testa (2015). Guardadas as dessemelhanças, os Guaranis também veem o mundo por meio da instabilidade e da constante possibilidade de aprendizado. Segundo a autora, o corpo Guarani Mbya pode ser compreendido como um “lugar passagem”, em que a “pessoa-caminho” precisa direcionar os fluxos da circulação de saberes, uma vez que sem a devida moderação, os excessos dessa circulação podem se tornar perigosos.
Essa ênfase nos aprendizados se aproxima ainda do que Yano (2012) afirma entre os Caxinauás. Os corpos das pessoas de Pinheiro aprendem a partir da experiência e é na experiência com o desconhecido, principalmente diante do mundo e de suas inúmeras feições, que esses conhecimentos são vivenciados e encorporados. Apesar dos processos de construção de pessoa serem destoantes e pouco semelhante aos sentidos, significados e rituais dos Caxinauás, estudados por Yano, os quilombolas de quem sou etnógrafa ganham sabedoria à medida que submetem os seus corpos à transformações contínuas. Cada aprendizado não pode ser visto apenas como mais um conteúdo que se acumula com outros aprendizados ao longo do tempo, mas como uma nova forma de estabelecer relações e conexões com pessoas, lugares, coisas, animais, forças, dentre outros. Esses conhecimentos atravessam os corpos continuamente ou, como dizem os moradores de Pinheiro, ninguém nasce pronto e é preciso aprender, a vida é vivendo e aprendendo.
Assim, o desafio de escrever sobre essas instabilidades e transformações contínuas é o desafio de estabilizar, pela escrita, um universo que se dinamiza dia após dia. Como apontado por Herzfeld (2014), existem mecanismos de “literalização” que são formas políticas do Estado estabelecer categorias rígidas, cristalizadas. Por meio da linguagem, os sentidos podem ser estabilizados e, com isso, manejados como instrumentos de poder. A rotina de um etnógrafo requer o cuidado de não replicar algo que já é “literalizado”, mas aprender um campo semântico próprio das pessoas de seu campo de pesquisa para usar a escrita de maneira menos rígida e mais fluida. Inevitavelmente, a escrita irá fixar sentidos, mas ela pode também desestabilizar outros, como os já “literalizados”. Portanto, nossa forma de escrita é mais do que uma escolha de estilo, é um compromisso político de observação atenta aos instrumentais linguísticos.

 

Referências  bibliográficas

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ALVES, Y. C. A casa raiz e o vôo de suas folhas: Família, Movimento e Casa entre os moradores de Pinheiro-MG. Dissertação de Mestrado. Universidade de São Paulo, Programa de Pós Graduação em Antropologia Social, 2016.

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BARTH, Fredrik. Grupos Étnicos e suas fronteiras. In: POUTIGNAT, P. Teorias da etnicidade. Seguido de grupos étnicos e suas fronteiras de Fredrik Barth, Philippe Poutignat, JocelyneStreiff-Fenard. Tradução de Elcio Fernandes. São Paulo: UNESP, 1998.

BIONDI, Karina. Etnografia no movimento. Território, Hierarquia e Lei No PCC. Tese de Doutorado. Universidade Federal de São Carlos, Programa de Pós Graduação em Antropologia Social, 2014.

GUEDES, André Dumans. O trecho, as mães e os papéis. Movimentos e durações no norte de Goiás. Rio de Janeiro, 2011. Tese (Doutorado em Antropologia Social) Museu Nacional-UFRJ.

HERZFELD, Michel. Prática teórica na cultura e na sociedade. Petrópolis: Vozes, 2014.

MOURA, Margarida Maria. Os deserdados da terra: a lógica costumeira e judicial dos processo de expulsão e invasão da terra camponesa no sertão de Minas Gerais. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1988

MOURTHÉ, Pedro Henrique; ALVES, Y. C. Multiplicidades do movimento: um experimento etnográfico sobre duas caminhadas quilombolas. Cadernos de Campo, v. 24, p. 183-201, 2015.

MOURTHÉ, Pedro. Entre os documentos e as retomadas: movimentos da luta quilombola em Brejo dos Crioulos (MG).Dissertação de Mestrado. São Carlos: Universidade Federal de São Carlos, 2015.

PALMEIRA, Moacir. ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de.  A invenção da migração. Projeto Emprego e Mudança Socioeconômica no Nordeste. Rio de Janeiro: Museu Nacional, 1977.

PORTO, Liliana. A ameaça do outro. Magia e religiosidade no Vale do Jequitinhonha/MG. São Paulo: Attar (Apoio: CNPQ/ Pronex), 2007.

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SANTOS, Alessandra Joana.  Nesse solo que vós estais, lembrai-vos que é de morrer. Uma etnografia das práticas de caminhar, conhecer e mapear entre os habitantes de Pedro Cubas, um Remanescente de Quilombo do Vale do Ribeira- SP. Dissertação de Mestrado. São Carlos: Universidade Federal de São Carlos, 2014.

SILVA, Maria Aparecida de Moraes. Errantes do fim do século. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1999.

TESTA, Adriana Queiroz.Caminhos de saberes Mbya: Modos de Criar, Crescer e Comunicar. Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo. Programa de Pós Graduação em Antropologia Social. 2015.

VIEIRA, Suzane de Alencar. Resistência e pirraça na malhada. Cosmopolíticas Quilombolas no Alto Sertão de Caetité. Tese de Doutorado. Universidade Federal do Rio de Janeiro/ Museu Nacional. Rio de Janeiro, 2015.

VELHO, Otávio Guilherme. Frentes de expansão e estrutura agrária : estudo do processo de penetração numa área da Transamazônica. Rio de Janeiro, Zahar, 1972.

YANO, Ana. Saber-se corpo: Pessoa e conhecimento para os Caxinauás. PT Redes Ameríndias- Relatório Científico 5/2012.
    
    

 









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ilustração: Rafael MORALEZ




1 Iniciei meu contato com os moradores de Pinheiro em 2009, por meio do Projeto de Extensão Lições da Terra, da PUC-MG. Ainda na graduação, conciliei extensão e iniciação científica na localidade. Em 2013, ingressei no curso de mestrado em Antropologia Social na Universidade de São Paulo, sob orientação da professora Ana Claudia Marques. O material trabalhado para esse artigo é fruto, principalmente, da pesquisa de mestrado, financiada pelo CNPq (ALVES, 2016). Para o mestrado, foram realizados cinco meses de trabalho de campo entre Pinheiro e em Barrinha, município do interior de São Paulo para onde parte dos moradores de Pinheiro se instalam para realização de atividades de trabalho.

2 O uso do itálico será reservado a expressões, frases e palavras tal como utilizadas pelos moradores de Pinheiro e da região. O uso de aspas será destinado a conceitos antropológicos ou expressões e termos consagrados por outras áreas de conhecimento e também pela mídia.

3 Espécie de varanda externa à casa, que é coberta com telhas. Serve de abrigo para os passantes.

4 O inchaço é a principal forma de incorporação do mundo, geralmente mediado pela comida de mercado, mas não apenas. Para os moradores da região, a comida de mercado produz corpos inchados, que não são equilibrados e que podem desenvolver uma série de problemas, desde doenças clínicas, como hipertensão e diabetes até comportamentos provocados por descontrole hormonal, como desejo sexual precoce dos adolescentes.

5 Guedes (2011) também encontrou uma relação entre mundo e um aprendizado mais doloroso.

6 Toda a região foi beneficiada pelo Programa Luz para Todos, sempre lembrado como uma ação do governo do presidente Lula. Assim, a chegada da energia elétrica surge como marco temporal, e alguns eventos sãocomunente divididos entre antes de Lula colocar luz aqui em casa e depois de Lula colocar luz aqui em casa.

7 Em uma busca rápida no Portal de Bases da Capes, encontra-se mais de 85 trabalhos, produzidos somente na última década, que relacionam diretamente o Vale do Jequitinhonha com a pobreza. Os principais são da área de saúde, mas também encontra-se estudos econômicos, das ciências sociais aplicadas e das humanidades.

8 Esse quadro se relaciona ainda com o tema das “frentes de expansão” analisado por Otávio Velho (1972). Segundo o autor, a colonização difusa do país, pautada em ciclos econômicos coloniais, levou a expansão de áreas diversificadas de exploração em todo o Brasil, principalmente nas décadas de 1950 e 1960. Estas áreas não eram desocupadas ou desconhecidas, mas abrigavam a existência de um “camponês marginal”, que com as transformações da estrutura agrária do período passou a integrar uma “reserva de mão de obra”. Velho descreve esse processo de expansão das áreas agrícolas – via mecanismos capitalistas aplicados ao uso do solo – mas que também cria e estimula o êxodo rural, formando um quadro de profunda e crescente modificação dos modos e manejos dos territórios.

9 Os usos da palavra “quilombola” ou “quilombo” estão sendo experimentados até hoje pelos moradores de Pinheiro, algo semelhante ao que Vieira (2015) encontrou entre os quilombolas de Caetité (BA).

10 O Projeto Barraginhas é um projeto da Embrapa, que desenvolve tecnologias sociais para o combate da seca.